Por que é importante estudar Tiradentes e a Inconfidência Mineira na escola?
Em uma conversa especial, o professor Rafael Alves, do Colégio Roberto Carneiro (parceiro Bernoulli Sistema de Ensino), explica como a Inconfidência Mineira pode inspirar reflexões poderosas na educação básica e trazer um olhar para o presente com mais consciência.
A Inconfidência Mineira é um dos marcos mais emblemáticos da nossa história. Mais do que um episódio do passado, esse movimento tem muito a ensinar sobre os ideais de liberdade, participação política e identidade nacional. Para entender melhor a relevância desse tema no contexto da educação básica, convidamos o professor Rafael da Silva Alves, do Colégio Roberto Carneiro de Divinópolis — escola parceira do Bernoulli Sistema de Ensino. Ele é Mestre em História Social da Cultura pela UFMG e autor do livro Lendo o Museu da Inconfidência: história, memória e patrimônio, e compartilha sua visão sobre o assunto.
A importância da Inconfidência Mineira na educação básica
O desenrolar da Inconfidência Mineira ocorreu no Brasil entre 1788 a 1792, considerando-se desde as reuniões entre os envolvidos até a execução das penalidades emitidas por Dona Maria I, rainha de Portugal naquele contexto. No entanto, seus impactos na história do país não se restringem a esse recorte temporal e se alastram até os dias mais recentes.
Esse movimento é considerado uma das principais ações que buscaram a independência do Brasil de Portugal, sendo precursor no sentido de despertar a consciência da sociedade para a importância da construção de uma nação livre das opressões da metrópole, num contexto em que os ideais iluministas afloravam com intensidade em diversas partes do mundo.
A Inconfidência Mineira e seus personagens se consagraram na história nacional como importantes para a construção da identidade coletiva e para a história política do país. Por isso, ensinar esse conteúdo é tão relevante no intuito de despertar uma maior consciência social, política e de atuação direta em assuntos que remetem aos interesses da coletividade.
Também é importante deixar claro para os alunos que a Inconfidência Mineira não foi um movimento isolado internacionalmente, mas que ela está inserida em um contexto mais amplo motivado pelos ideais dos filósofos iluministas, os quais criticavam a estrutura sociopolítica do Antigo Regime europeu. Nessa perspectiva, é preciso ensinar sobre a Inconfidência Mineira fazendo uma relação direta com o que ocorria em outras partes do mundo naquele contexto, como a Independência dos Estados Unidos em 1776, os impactos dos iluministas na Europa e as revoluções burguesas, o início dos processos de independência da América Latina na segunda metade do século XVIII, o despertar pela consciência de direitos naturais e fundamentais, entre outros.
“Mostrar aos alunos que o Brasil estava inserido em um contexto mais amplo e que nosso país não estava alheio ao cenário internacional e seus acontecimentos, favorece o reconhecimento do povo brasileiro como protagonista e ativo nas ações políticas, o que contribui para a desconstrução do senso comum de que somos uma nação historicamente passiva, meramente cordial e sem consciência da importância na atuação política.”
Como tornar o ensino da Inconfidência Mineira mais envolvente?

Para ensinar sobre a Inconfidência Mineira e seus agentes históricos de forma eficaz, as aulas expositivas podem ser enriquecidas com diálogos diretos e análises de fontes históricas variadas. Uma sugestão é levar para a sala de aula diversas fontes iconográficas, como por exemplo, algumas pinturas, as quais retratam cenas da Inconfidência Mineira e de Tiradentes. Podem ser utilizados nas aulas, para análise com os alunos, afrescos como:
- Martírio de Tiradentes (Aurélio de Figueiredo)
- Tiradentes Esquartejado (Pedro Américo)
- Resposta de Tiradentes (Leopoldino Faria)
- O Tiradentes (José Wasth Rodrigues)
- Retrato de Joaquim José da Silva Xavier – Tiradentes (Oscar Pereira da Silva)
Essas pinturas podem ser analisadas criticamente com os estudantes, considerando que foram criadas em momentos posteriores à Conjuração Mineira e com intencionalidades específicas por parte dos artistas.
Trechos de livros iluministas, como Voltaire, Rousseau e Montesquieu, também podem ser utilizados para demonstrar a conexão dos inconfidentes com os ideais da filosofia das luzes. Além disso, documentos como os autos da devassa e as sentenças de condenação emitidas pela Rainha D. Maria I são fontes ricas para aprofundar a discussão.
O filme Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro de Andrade, disponível no YouTube, é outro recurso interessante que pode ser trabalhado em sala de aula, na íntegra ou em trechos selecionados. Ele permite debater o contexto e as representações históricas com base em uma linguagem mais acessível.
Relacionando passado e presente com a Inconfidência Mineira: por que isso importa?
Ensinar História é, também, ensinar a olhar o presente com mais consciência. A Inconfidência Mineira e seus protagonistas oferecem a oportunidade de refletir sobre a formação de uma república democrática no Brasil. Ainda que buscassem a independência de Portugal, ao que tudo indica, os inconfidentes também propunham a manutenção da escravidão, um ponto que merece análise crítica e que permite discutir como os interesses individuais interferiram na ideia de liberdade plena.
A partir disso, é possível levantar questões sobre a desigualdade racial, a busca por direitos e a construção de heróis nacionais. A imagem de Tiradentes como mártir da liberdade, por exemplo, foi intensamente construída e reforçada pela Primeira República. Questionar esse processo ajuda a entender quais interesses estavam por trás dessa representação e quais outras figuras da nossa história poderiam ou deveriam ser reconhecidas.
“O estudo sobre a Conjuração Mineira deve ser ponto de partida para reflexões que atinjam o contexto atual. Na política, podemos levantar o questionamento sobre a importância de uma república democrática em detrimento de regimes autoritários e absolutistas. No campo social, a Inconfidência que não propôs a liberdade dos escravos permite a reflexão sobre a desigualdade racial e a permanente luta dos negros por reconhecimento como cidadãos com os mesmos direitos que todos em nosso país. Além disso, enquanto professores, podemos partir da Inconfidência Mineira para discutir com os alunos como estão hoje as garantias de igualdade, liberdade e de outros direitos essenciais, tão defendidos pelos iluministas e que inspiraram o movimento em Minas Gerais no século XVIII.”
Essas reflexões são essenciais para despertar nos alunos o senso crítico, a consciência social e a valorização da participação política em contextos democráticos.
Metodologias ativas: aprendendo com mais envolvimento a partir da Inconfidência Mineira
As metodologias ativas são estratégias valiosas para tornar o aprendizado mais interativo e fazer com que os alunos estejam mais envolvidos. Jogos de perguntas e respostas (quizes), rodas de conversa após filmes, ou a leitura de fontes seguidas de debate são algumas possibilidades.
“No caso específico sobre a Inconfidência Mineira, uma estratégia que também pode ser muito relevante é a realização de um Juri Simulado com relação a condenação de Tiradentes à forca. O professor pode construir na sala de aula uma estrutura semelhante a um tribunal judiciário, com alunos exercendo papéis de advogados de acusação e defesa, corpo de júri popular, juiz, promotor, testemunhas, plateia… enfim, essa dramatização exigirá uma preparação prévia dos estudantes e, automaticamente, um maior envolvimento com o tema. Além disso, é uma oportunidade de demonstrar na prática como funciona o poder judiciário em nosso país, sendo possível, inclusive, fazer uma análise de como isso ocorria no passado e como acontece nos dias recentes.”
Superando os desafios do ensino da História
Uma das grandes dificuldades enfrentadas pelos professores é fazer com que os alunos compreendam por que é importante estudar acontecimentos do passado. A pergunta “pra que isso serve?” é comum, e cabe ao professor mostrar que a História não é apenas uma narrativa de fatos distantes, mas uma ciência que ajuda a entender o presente e pensar o futuro.
Estabelecer paralelos entre passado e presente é uma das formas mais eficazes de superar esse desafio. Quando os alunos percebem que questões como liberdade, justiça, desigualdade e democracia continuam sendo temas atuais, o interesse pelo conteúdo cresce. Ensinar sobre a Inconfidência Mineira, nesse sentido, é mais do que relembrar um episódio histórico: é formar cidadãos mais conscientes, críticos e atuantes.
“A História não precisa (e nem deve) mais ser ensinada de forma enfadonha e entediante, movida por decorebas de datas e de fatos sequenciados. A História deve ser tratada de forma atualizada, dinâmica e inserida na realidade contemporânea. Só assim conseguiremos fazer com que nossos alunos desejem aprender cada vez mais sobre o passado e as transformações pelas quais as sociedades passaram ao longo do tempo e que ainda continuam passando.”